eudarcantiga

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“gosto de olhar comprido, longo, longe. Gosto de ver o horizonte para além do mar e de olhar desde o topo da montanha, gosto de olhar para além do fundo do céu, da liberdade de sonhar para além da imaginação, para além do já sabido, do conhecido. Gosto de conhecer, mais que de reconhecer. Para além da lenda. Assim sou eu: para além da história, ou “para lá de antes que seja história.”

Monday, June 30, 2008

Redondilhando

Fazer uma redondilha
Seja maior ou menor
Nem sempre é uma maravilha
Pois regras não sei de cór.

Só sei se contar nos dedos
Como me ensinou meu pai
Mas cometo enganos ledos
E a redondilha não sai.

Dependendo da história
Que estou querendo contar
Sai direto da memória
Sem mesmo me perguntar.

Faço uma, faço duas
Muitas vezes faço três
Caminhando minhas ruas
Nunca seguindo o freguês.

Que freguês, essa menina?
Enlouqueceu, tá doidinha?
Ou será que te fascina
Redondilha redondinha?

Melhor ficar por aqui
Antes mesmo que enlouqueça
E já que eu não saí
Melhor é que eu não apareça.

Na Moleque de Idéias, em 30 de junho de 2008, lá pelas seis e tal da tarde (ou seria da noite?)
Ilnéa R. País de Miranda

Monday, June 09, 2008

Taboa

Garça em taboal tem memória de íbis ancestrais vagando livres por entre juncos marginais do Nilo.

Meu corpo conheceu taboa antes dos meus olhos. Conheceu-a morta, trançada em esteira, fazendo vez de cama e de colchão. Meu corpo era pequeno e magro e tinha pouco mais que quatro anos. Adormecia fácil e descansava em sonho. Eu era leve sobre a esteira trançada de taboa morta. Sequer sentia a dureza do soalho sob ela. O que mais lembra a minha memória de menina, é que a esteira de taboa morta era sedosa ao toque. Nas pontas de meus dedos a sensação de seda da esteira de taboa ainda existe.

Meu corpo conheceu taboa morta antes que meus olhos a conhecessem viva e linda, balouçando ao vento, dengosamente esguia, dançando paisagem para as garças que passeavam sua brancura elegante, pinçando com seus bicos longos como suas pernas preguiçosas, pequenos peixes e girinos que também cresciam nos charcos esparramados pelos caminhos da minha infância.

Lembro-me pequena, sentada à beira da estrada de terra batida que levava à casa de "seu" Waldimiro, meio encarapitada em cima de um morrinho, logo depois da curva da subida. A pé, bem que uns bons vinte minutos. Em duas horas, sempre em frente, se chegava a Morro Grande. Mas não pensava nada disso ali sentada a pequenina.

Apenas contemplava o passeio das garças por entre as folhas da taboa. Respeitava-lhes o silêncio. Comungava-o com elas.

Como eram raros os passantes, dificilmente alguém as perturbava.

E cada uma desfiava seu mister. Umas saciando a fome do estômago; outra alimentando-se de beleza.

Sentada à beira da estrada eu olhava curiosa os movimentos preguiçosos, mas precisos das garças. Os bicos longos jamais voltavam vazios do fundo do charco. Devem ter vista aguda seus pequenos olhos negros. O brejo tem muita lama escura sob a água pouca. Mas isso em nada incomoda as garças. E é o sítio certo para a taboa. O fundo escuro tem a cor das flores da taboa. Mais lama, mais flores para explodir ao sol soltando sua paina sedada ao vento, seu plantador.

Devagar, uma a uma, as garças alçam vôo, não sem antes cumprirem um estranho ritual: param de comer, sacodem a cabeça para tirar a lama do bico e metem-no primeiro debaixo de uma asa e depois da outra. E vão-se embora, ainda silenciosas ...

... mas muito mais lindas... porque voam. Voltarão amanhã...

E por que não? Ali têm tudo. Água de beber de espelhar vaidade; bichinhos de comer e de brincar e têm taboa, boa e generosa, que não se cansa de dar aconchego e sombra enquanto viva e dar carinho até depois de morta.

E tem a menina na beira da estrada, com seus pés descalços, seu vestido rosa, contemplando a vida com seus olhos limpos, embalando o sonho de também ser garça.


Ilnéa País de Miranda