eudarcantiga

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Location: Niterói, RJ, Brazil

“gosto de olhar comprido, longo, longe. Gosto de ver o horizonte para além do mar e de olhar desde o topo da montanha, gosto de olhar para além do fundo do céu, da liberdade de sonhar para além da imaginação, para além do já sabido, do conhecido. Gosto de conhecer, mais que de reconhecer. Para além da lenda. Assim sou eu: para além da história, ou “para lá de antes que seja história.”

Saturday, May 29, 2010

Pandorga, papagaio, pipa...

Vários nomes, múltiplos feitios. Para mim, cafifa. Assim, simples, de papel de seda, finas varetas de bambu, trabalhadas com cuidado pelo meu tio, com uma faca pequena, muito, muito afiada. Três varetas, não mais, cortadas no tamanho certo, raspadas, afinadas ao ponto certo, até a leveza certa, a espessura certa para vergar, sem quebrar, sob a tensão certa da linha 10 trabalhada com mestria.

Escolher a cor do papel fino de vestir de corpo o esqueleto. Fazer a goma de farinha de trigo, fina, sem grumos, mexida com cuidado ao lume do fogão de minha avó. Goma fina, de primeira, de cobrir não mais que meio centímetro das bordas, milimétrica, pacientemente dobradas por sobre o contorno perfeito de linha forte.

Depois, o cabresto, de linha encerada, para acertar o rumo quando passeando o ar, desviar para lá e para cá, o mais alto possível enfeitando o céu, para onde podia subir assim, simples, ou enfeitada com pequeninas bandeiras ou uma, mais ou menos longa, rabiola.

Não pretendia nada a minha cafifa. Era só de enfeitar céu. Assim, pequenina, quase desaparecia no ar que se fazia azul. Ela numa ponta e eu na outra segurando o carretel que liberava o fio delgado e liso que a ligava a mim. Como um pássaro, voava a distância que a brisa da manhã lhe permitia. E era lindo vê-la subir cada vez mais alto, ir cada vez mais longe. Parecia livre o vôo da minha cafifa. Penso que eu ia com ela. Minha alma livre de criança ia com ela.

Brincávamos assim, livres nós duas, voando cada vez mais longe, por um tempo. Depois... não havia mais longe, nem mais alto. Ficávamos voejando num mesmo espaço. Já não éramos tão livres. Sem entender, sentindo a pressão em minha mão, eu olhava o carretel vazio. Não sei se chegava a entender que, de verdade, minha pequena cafifa nunca tinha sido realmente livre, que o fio a mantinha presa ao carretel e a mim.

Passado um tempo, havia que tentar trazer o brinquedo de volta, enrolando o fio devagar para não romper, ou “quebrar a linha” como se costumava dizer. Para mim, um momento de tristeza. Não me dava nenhum prazer arrastá-la, interromper seu bailado e puxá-la para a terra. O que eu gostava era de ver meu pássaro de papel desenhando no ar as piruetas de sua coreografia única. E eu torcia para que, em algum ponto entre o céu e o chão, a linha se partisse e o carretel ficasse frouxo em minha pequena mão.

Então um leve sorriso cúmplice tocava minha boca, como um beijo. Olhando o horizonte solitariamente azul, eu sonhava... solta das amarras, ela continuaria seguindo seu eterno vôo de liberdade.