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“gosto de olhar comprido, longo, longe. Gosto de ver o horizonte para além do mar e de olhar desde o topo da montanha, gosto de olhar para além do fundo do céu, da liberdade de sonhar para além da imaginação, para além do já sabido, do conhecido. Gosto de conhecer, mais que de reconhecer. Para além da lenda. Assim sou eu: para além da história, ou “para lá de antes que seja história.”

Thursday, August 31, 2006

Urgências, Carências e Permanências

Urgências, Carências e Permanências
Ilnéa País de Miranda

Sob a marquise de uma revendedora de pneus na esquina movimentada, uma família ainda dorme em sua “casa”. Alguém lhes deixou até um carrinho de bebê junto aos restos de comida esquecidos nos pratos descartáveis. A cidade, que de há muito já acordou, vai ao encontro de seus afazeres como pode. E, como pode, procura não tomar conhecimento da cena. Se possível, melhor nem sentir o cheiro.

Quem são essas pessoas? Quem as exclui? A quem interessa mantê-las excluídas? E quem, realmente, se interessa por elas?

Urgências exigem medidas rápidas e eficientes. Carências precisam ser remediadas. Secas ou enchentes, prédios que desabam por incompetência ou cupidez dos (ir)responsáveis, e as conseqüências de tudo isso exigem atitudes direcionadas e imediatas. Então, que se tomem tais atitudes de emergência.

Mas por que manter a ditadura de uma custódia que impede pessoas de se tornarem cidadãs orgulhosas de si mesmas e de sua capacidade de competir por trabalho, por uma vida digna por seus próprios méritos? Por que impedir que se reconheçam como iguais? Essa caridade dúbia mantêm-nas exatamente onde estão; pior que isto, reafirma que aquilo é o que são:- sem terra, sem teto, sem pátria, sem direitos.

Ajudar o próximo será tão somente alimentar quem tem fome? e dar um cobertor para cobrir do frio ainda que a temperatura ambiente seja, com freqüência, neste nosso país tropical, mais amena que a postura alienada de muitos, e menos perversa que o desconhecimento das reais necessidades daqueles que são “carinhosamente” chamados “irmãos”? Já estão alimentados? Pois que fiquem onde estão esperando pelo próximo caridoso prato. Não faz frio? Pois que usem o cobertor para cobrir a vergonha que não deve ficar exposta e da qual poucos se dão conta: a vergonha que com certeza sentem da impossibilidade de cuidar de si mesmos e de suas famílias.

Carregar no colo quem não pode andar, dar suporte a quem precisa, mostrar o caminho a quem o desconhece, tudo isso é absolutamente legítimo. Mas não se pode impunemente impedir alguém de caminhar sozinho. Isso é no mínimo retardar o crescimento: é manter na ignorância a potencialidade ou até a genialidade.

Humilhados por uma ajuda humanitária discutível, ofendidos por uma bondade mal fundamentada, que adormeçam sob o cobertor, enquanto, em nome da caridade se lhes rouba o direito à cidadania, acobertados pelo cruel e imoral eufemismo do “anonimato.” e da necessidade.

Nota da autora:
Este artigo foi publicado um tempo atrás, em "O Correio", mas vendo que seu conteúdo continua atual, penso ser esse um bom momento para trazê-lo à tona.
Muito grata,
Ilnéa

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