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“gosto de olhar comprido, longo, longe. Gosto de ver o horizonte para além do mar e de olhar desde o topo da montanha, gosto de olhar para além do fundo do céu, da liberdade de sonhar para além da imaginação, para além do já sabido, do conhecido. Gosto de conhecer, mais que de reconhecer. Para além da lenda. Assim sou eu: para além da história, ou “para lá de antes que seja história.”

Friday, August 18, 2006

Avezinha de Papel

Pandorga, papagaio, pipa...

Vários nomes, múltiplos feitios. Para mim, cafifa. Assim, simples, de papel de seda, finas varetas de bambu, trabalhadas com cuidado pelo meu tio, com uma faca pequena, muito, muito afiada. Três varetas, não mais, cortadas no tamanho certo, raspadas, afinadas ao ponto certo, até a leveza certa, a espessura certa para vergar, sem quebrar, sob a tensão certa da linha 10 trabalhada com mestria.

Escolher a cor do papel fino de vestir de corpo o esqueleto. Fazer a goma de farinha de trigo, fina, sem grumos, mexida com cuidado ao lume do fogão de minha avó. Goma fina, de primeira, de cobrir não mais que meio centímetro das bordas, milimétrica, pacientemente dobradas por sobre o contorno perfeito de linha forte.

Depois, o cabresto, de linha encerada, para acertar o rumo quando passeando o ar, desviar para lá e para cá, o mais alto possível enfeitando o céu, para onde podia subir assim, simples, sem enfeites, sem bandeirinhas, sem rabiola.

Não pretendia nada a minha cafifa. Era só de enfeitar céu. Assim, pequenina, quase desaparecia no ar que se fazia azul. Ela numa ponta e eu na outra segurando o carretel que liberava o fio delgado e liso que a ligava a mim. Como um pássaro, voava à brisa da manhã. E era lindo vê-la subir cada vez mais alto, ir cada vez mais longe. Parecia livre o vôo da minha cafifa. Penso que eu ia com ela. Minha alma livre de criança ia com ela.

Brincávamos livres nós duas, voando cada vez mais longe, por um tempo. Depois... depois não havia mais longe, nem mais alto. Ficávamos voando um mesmo espaço. Já não éramos tão livres. Sentindo a pressão em minha mão, eu olhava o carretel vazio. Não sei se chegava a entender que, de verdade, minha pequena cafifa nunca tinha sido realmente livre, que o fio a mantinha presa ao carretel e a mim.

E chegava o tempo de tentar trazer minha cafifa de volta, enrolando o fio devagar para não romper, ou “quebrar a linha” como se costumava dizer. Para mim, um momento de tristeza. Não me dava nenhum prazer arrastá-la, interromper seu bailado e puxá-la para a terra. O que eu gostava era de ver minha avezinha de papel desenhando no ar as piruetas de sua coreografia única. Ah... calada, como em segredo partilhado só por nós, eu torcia para que, em algum ponto entre o céu e o chão, a linha se partisse e o carretel ficasse frouxo em minha pequena mão.

Olhando, como agora, um horizonte solitariamente azul, um leve sorriso cúmplice ainda me toca boca, como um beijo. E sonho...

... solta das amarras, minha cafifa continua livre, e segue o seu vôo.

Ilnéa
18.08.2006

2 Comments:

Blogger dade amorim said...

Olá, Ilnéa... Voei com sua cafifa. Nunca soltei uma, mas gostava e ainda gosto de ver os meninos empinando as suas. Deve ser bem gostoso, o pensamento voando junto, livre. Beijo pra você e uma boa semana.

3:20 PM  
Blogger Unknown said...

Olá Ilnea...
Ao contrário de sua amiga Adelaide,
já empinei muitas pipas...
Sua cafifa no céu, levou-me até
a infância... no quintal de minha casa, moleca, de pé no chão, junto ao meu irmão, ríamos contentes quando, ao céu a avistávamos dançante e saltitante...
hahahahahaha
Quase consegui...
É a sua essência, amiga Ilnea, que
nos embala e nos leva a poetizar!
Tenha uma ótima e abençoada quarta-feira de cinzas!
Bjs iluminados!

10:17 PM  

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